A
Garota das Laranjas
Gaarder, Jostein
Comecei a ler
este livro cinco anos atrás quando o peguei na biblioteca da escola. Nunca
conseguia terminar. Devolvia, pois meu prazo se esgotava, e pegava novamente
pra voltar a ler desde o começo. Passei esses cinco anos assim: Indo e vindo da
biblioteca, pegando e devolvendo sempre o mesmo livro. Nunca concluído.
No início deste ano decidi que iria terminar
de ler "A garota das laranjas" de qualquer jeito! Peguei-o na
biblioteca e comecei a ler a partir da página 96, pois esse era o número que
tinha em mente, e eu acreditava ser a página em que havia parado. Porém, não
deu certo. Quanto mais lia, mais vontade tinha de voltar algumas páginas para
relembrar. Fui voltando automaticamente e lentamente na história. Mas o livro
estava na parte triunfal, onde todos os enlaces iriam se resolver, todos os
mistérios começariam a ser desvendados e todas as peças do quebra-cabeça estariam
expostas, prontas para serem unidas. Não conseguia parar de ler. Fui para o meu
quarto, ficar mais a vontade, enquanto deliciava as últimas páginas.
A cada página que passava e mais próxima do
final me levava, mais angustiada eu me sentia. Não queria que acabasse, mas
sabia que estava perto do fim.
Chorei muito no final. O livro realmente mexeu
comigo. Perguntas filosóficas, frases marcantes e reveladoras me estimulavam a
refletir cada vez mais. Fiquei um bom tempo deitada na cama pensando na vida
após o término. A sensação foi incrível.
Este livro tem uma narrativa expressiva e um
final eletrizante. É o melhor que já li.
Passei um dia inteiro consumindo o livro até
conseguir terminá-lo- finalmente-, e não me arrependo. Iria dizer que me
arrependo por não ter lido antes, mas quem garante que eu o entenderia no
passado? Talvez não fosse madura o suficiente para enxergar a grandeza que há
nessa história.
A leitura deste livro foi indescritivelmente
marcante. Nunca li nada igual. [...]
Hoje, na escola, durante uma aula, a nova
funcionária da biblioteca trouxe dois alunos do 2º ano para apresentarem seus
livros preferidos- Maus, Art Spiegelman e A menina que roubava livros, Markus
Zusak. Eles falaram um pouco de cada livro, e porque gostaram tanto- Nos
incentivando a lê-los. Fiquei completamente absorta pelas palavras deles. Senti
meu coração dar um pulo, e num impulso impensável, levantei a mão. A moça da
biblioteca me deu atenção e eu, sem saber no que estava pensando, simplesmente
disse: "Eu quero participar. Quero participar disto." Ela pareceu
feliz com minha atitude e resolveu me ajudar.
Mais tarde fui até a biblioteca me encontrar
com ela. Disse que queria falar sobre o livro "A garota das
laranjas", que foi marcante pra mim. Ela me entregou-o e disse para eu
pesquisar as partes mais importantes e montar uma pequena apresentação para a
semana seguinte. Pensei em falar de tudo o que havia acontecido, como
finalmente terminei o livro. Estava planejando fazer essa resenha faz tempo,
mas a preguiça não deixava. Agora tenho um grande motivo para isso.
Espero ter inspiração para pegar os pontos
altos do livro, e montar uma boa e breve apresentação e, principalmente, ter coragem
de ir de sala em sala falando desse livro que tanto significou pra mim.
Chega de falar da escola, vamos agora falar um
pouco do livro:
Uma
carta que ficou guardada por muito tempo, revela ao adolescente Georg Roed uma
história extraordinária. O autor da carta é o pai do menino, morto há onze
anos. Ele escreveu esta longa mensagem de despedida para que o garoto lesse
quando atingisse uma idade madura.
A história que o pai conta é do tempo em que
ainda era um jovem estudante medicina: a sua busca por uma moça desconhecida,
que ele vê por acaso nas ruas de Oslo, sempre carregando um saco cheio de
laranjas e que suscita um amor instantâneo e uma série de perguntas sem
resposta na imaginação do jovem Jan Olav. Apaixonado, o rapaz persegue os
diversos mistérios que cercam os seus encontros fugidios com a garota das
laranjas, numa aventura que culmina numa grane revelação. Alternando entre a
voz de Georg e a do pai, Jostein Gaarder constrói uma narrativa pontuada com
perguntas filosóficas, que tratam de temas como o amor, a morte e a grandeza do
universo. E também lhe faz uma pergunta muito importante, de cuja resposta
podem depender os rumos que o menino tomará ao ingressar na vida adulta.
(Não acredito
que terei que digitar tantas páginas do livro para responder á uma pergunta.)
Trechos das
páginas 110-130.
Eu disse: "Imagine que, há muitos bilhões
de anos, no momento em que tudo foi criado, você estivesse no umbral desse
conto de fadas. E tivesse a opção de nascer neste planeta se quisesse. Não
saberia quando ia viver nem quanto tempo passaria aqui, mas, fosse como fosse,
seria apenas questão de alguns anos. Só saberia que, se decidisse um dia nascer
neste mundo, quando chegasse a hora ou, como se diz, quando o 'ciclo se
completasse', teria de deixá-lo e a tudo quanto nele existe. Talvez isso o
contrariasse bastante, pois muita gente acha a vida neste grande conto de fadas
tão maravilhosa que chega a ficar com lágrimas nos olhos só de pensar que isso
vai acabar. Tudo aqui pode ser tão bom que dói pensar que um dia não haverá
outros dias".
Você ficou caladíssimo no meu colo. E eu
disse: "O que você escolheria, Georg, se um poder superior lhe desse a
possibilidade de escolher? Você teria optado por uma vida nesta Terra, breve ou
longa, dentro de cem mil ou cem milhões de anos?".
Eu devo ter respirado fundo duas vezes antes
de continuar falando, então prossegui com voz firme: "Ou teria se recusado
a participar deste jogo por não aceitar as regras?".
Você continuou em silêncio no meu colo. Eu
queria muito saber no que estava pensando. Você era um milagre vivo. Achei que
seu cabelo louro como o trigo cheirava a tangerina. Um anjo de carne e osso,
cheio de vida.
Você não tinha adormecido. Mas não disse nada.
Estou certo de que ouviu minhas palavras,
inclusive é possível que tenha prestado muita atenção. Mas eu não tinha a menor
ideia do que se passava dentro de você. Nós estávamos tão perto um do outro. E,
mesmo assim, de repente ficamos terrivelmente distantes.
Eu o abracei com mais força, talvez você tenha
pensado que era para aquecê-lo. Mas eu o traí, Georg, porque comecei a chorar.
Isso eu não queria, e tratei de me recompor o mais depressa possível. Mas não
consegui conter as lágrimas.
Nas últimas semanas, eu me fiz essa pergunta
várias vezes. Teria optado por uma vida na Terra se soubesse que um dia seria
arrancado tão subitamente daqui, talvez no momento mais feliz da minha
existência? Ou será que teria agradecido e rejeitado de pronto esse jogo
absurdo do "dá e toma"? Porque a gente vem uma única vez a este
mundo. É entregue a essa grande aventura. E então chega um ratinho e o conto de
fadas acaba.
Não, juro que não sei qual seria a minha
escolha. Acredito que teria repelido essas condições. Talvez respondesse com um
delicado "não" à oferta de participar dessa grande aventura se fosse
apenas uma visita breve, e talvez o meu "não" nem fosse tão delicado
assim. Pode ser que gritasse que não queria ouvir mais nenhuma palavra alguma
sobre esse maldito dilema. Foi o que imaginei; no momento em que estava na
varanda, com você no colo, tive certeza de recusaria totalmente a oferta.
Se eu tivesse optado por não meter o nariz
nesta grande aventura, nunca saberia o que estava perdendo. Você entende o que
quero dizer? Para nós, seres humanos, ás vezes é muito pior perder uma coisa
que amamos do que nunca ter tido essa coisa. Também é assim nos contos de fada.
Você acha que a Gata Borralheira teria voltado ao palácio com o príncipe se lhe
dissessem que só poderia passar uma semana lá? O que você acha que ela sentiria
se tivesse de retornar à a sua vida de outrora, ao fogão e as cinzas, à
madrasta malvada e às irmãs invejosas?
Agora é a sua vez de responder, Georg, agora
você tem a palavra. Pois foi quando nós dois estávamos contemplando o
firmamento, na varanda, que eu tomei a decisão de lhe escrever essa longa
carta. Aliás, foi justamente o momento em que chorei. E não chorei só por saber
que talvez muito em breve me separarei de você e da garota das laranjas. Chorei
porque você era tão pequeno. Chorei porque nós dois não podíamos conversar de
verdade.
Vou perguntar mais uma vez. Qual seria a sua
decisão se você tivesse a possibilidade de escolher? Optaria por uma vida breve
aqui na Terra, para depois de poucos anos separar-se de tudo e nunca mais
voltar? Ou diria "não, obrigado"?
Você só tem essas alternativas. É a regra. Se optar pela vida, também está
optando pela morte.
Mas, olhe: prometa que vai refletir muito
antes de responder.
DAQUELA NOITE NA VARANDA EU ME LEMBRO! Ficou
gravada na minha medula. Está tatuada no meu coração. E, enquanto lia o que o
meu pai escreveu sobre ela, senti várias vezes um frio na espinha.
Até agora estava praticamente esquecida, pelo
menos nunca teria pensado naquela noite estrelada se não tivesse lido a carta,
mas agora a lembrança ficou clara até demais. TALVEZ ESTA SEJA A ÚNICA
RECORDAÇÃO GENUÍNA QUE GUARDO DO MEU PAI.
Eu tinha acordado. Então papai veio da
varanda, entrou e me ergueu no ar. Disse que nós íamos voar lá fora. Que íamos
ver as estrelas. Voar no espaço. Por isso ele precisava me agasalhar bem, pois
fazia muito frio no espaço sideral. O papai queria me mostrar as estrelas no
céu. Tinha de fazê-lo. Era a nossa única chance e precisávamos aproveitá-la.
E eu sabia que papai estava doente! Mas ele
não sabia que eu sabia. Mamãe tinha me contado o segredo. Disse que talvez
papai precisasse ficar no hospital, por isso estava triste. Creio que lembro
que ela me disse isso naquela tarde. Acho que foi por esse motivo que acordei,
acho que era por esse motivo que não conseguia dormir.
Agora me lembro claramente de uma longa viagem
espacial com meu pai, lá fora na varanda. Acredito que tinha compreendido que
ele talvez nos deixasse. Mas antes queria me mostrar uma coisa.
E então- agora, enquanto escrevo, sinto
calafrios na espinha- quando a gente estava viajando no espaço sideral, papai
começou a chorar de repente. Eu sabia por que ele estava chorando, mas ele não
sabia que eu sabia. Por isso não pude dizer nada. Fui obrigado a ficar calado.
O que ia acontecer era perigoso demais, não dava pra falar.
Mas isso não é tudo: desde aquela noite, sei
também que não se pode confiar nas estrelas do céu. Pelo menos, elas não nos
salvam de nada. Um dia, teremos de abandonar também as estrelas do céu.
Nos últimos dias, eu praticamente só pensei na
pergunta difícil sobre a qual tenho de me manifestar. Li quatro vezes a carta e
pensei: coitado do meu pai, coitado. Lamento muitíssimo ele já não estar aqui.
Mas as coisas que escreveu não valem só para ele. Valem para todos os seres
humanos em todo o mundo, para os que estiveram aqui antes de nós, para os que
agora vivem e para todos os que virão depois.
"A gente tem uma única vez no
mundo", escreveu meu pai. Ele escreveu muitas vezes que nós não passamos
senão um breve momento aqui. Não sei ao certo se vivencio isso exatamente como
meu ele. Estou aqui há quinze anos aqui, e esses anos não me parecem um "breve
momento".
Mas acho que sei o que meu pai quis dizer. Que
a vida é curta para todos os que conseguem entender que, um dia, o mundo
chegará definitivamente ao fim. Mas nem todos entendem o que significa, de
fato, um dia partir para sempre, para toda a eternidade. Existe tanta coisa que
dificulta essa percepção, hora a hora, minuto a minuto.
"Imagine que, há muitos bilhões de anos,
no momento em que tudo foi criado, você estivesse no umbral desse conto de
fadas", escreveu meu pai. "E tivesse a opção de nascer neste planeta
se quisesse. Não saberia quando ia viver nem quanto tempo passaria aqui, mas,
fosse como fosse, seria apenas questão de alguns anos. Só saberia que, se
decidisse um dia nascer neste mundo, quando chegasse a hora ou, como se diz,
quando o 'ciclo se completasse', teria de deixá-lo e a tudo quanto nele existe.
"
Ainda não consegui decidir. Mas, com o
decorrer do tempo, concordo cada vez mais com o meu pai. É bem possível que eu
também recusasse educadamente essa oferta. O brevíssimo momento que me é dado
viver neste mundo é minúsculo em comparação com a eternidade em termos de tempo
anterior e posterior.
Mesmo sabendo que uma coisa era uma delícia
maravilhosa, eu me recusaria delicadamente a degustá-la se o pouquinho que me
deixassem provar não pesasse mais do que um miligrama.
O mundo! Neste caso eu nunca o alcançaria.
Jamais viveria o grande segredo.
O espaço! Nunca ergueria a vista para
contemplar o esplendor de um céu estrelado!
O Sol! Nunca poria os pés na ilhota quente de
Tonsberg. Nunca saltaria na água de cabeça!
Agora entendo tudo isso. De súbito, compreendo
todo o alcance. Só agora percebo de corpo e alma o que significa não ser. Sinto
um aperto no estômago. Passo mal. Mas também fico revoltado.
Fico furioso quando penso em desaparecer um
dia- e então vou partir não por uma ou duas semanas, não por quatro nem por
quatrocentos anos, mas por todo o sempre.
Tenho a sensação de que me pregaram uma peça,
pois o primeiro alguém chega e diz: tome, o mundo é todo seu, pode brincar aqui
à vontade. Este é o seu chocalho, o seu trenzinho, esta é a escola que você vai
começar a frequentar no outono. Para depois gritarem: primeira de abril,
primeiro de abril, você caiu feito um patinho! E então voltarem a me arrancar o
mundo das mãos.
Sinto que todos me abandonaram, deixaram-me a
ver navios. Não tenho onde me segurar. Nada pode me salvar.
E não é só o mundo que eu perco, não é só tudo
e todos que amo. Eu me perco a mim mesmo.
Zás- e eis que eu sumi.
Estou furioso.
Tão furioso que sou capaz de vomitar de uma hora para outra. Evito o mal antes
que ele me domine. Opto pela vida. Opto pela pontinha de bem que me foi
concedida.
Sei que o mal existe, pois ouvi o terceiro
movimento da Sonata ao luar de Beethoven. Mas também sei que existe o bem.
Sei que entre dois abismos desabrocha
uma bonita flor e que, em breve, um alegre abelhão sairá voando dessa flor.
Ah! Agora eu vi. Felizmente nessa equação
também há um lépido alegreto. Entre as duas tragédias vem o divertido teatro de
fantoches, e esse espetáculo, eu não quero perder. Estou disposto a apostar
tudo no segundo momento! Existe uma coisa chamada "fome de viver", e,
apesar dos pesares, eu não preciso viver esses dois abismos. A única coisa que
existe é um audacioso alegreto.
Acho que agora estou pensando coisas muito
inteligentes, tenho de admitir. Franz Liszt descreveu o segundo movimento da
Sonata ao luar como "uma flor entre dois abismos". Neste momento me
ocorre que a resposta ao grande dilema desabrochou em mim como uma flor.
E então procuro mais uma vez recuar alguns
bilhões de anos no tempo. Porque agora tenho de decidir se quero viver algumas
centenas de milhões de anos na Terra ou se prefiro abrir mão disso por não
concordar com as regras. No entanto, agora eu sei onde estarão os meus pais.
Agora sei como essa história começou. Sei como vai ser quando eu amar.
Pois vamos à resposta. Vamos à decisão solene.
Eu escrevo:
Querido, papai! Obrigado pela sua carta. Foi
um choque para mim, e me deu muita alegria e também muita tristeza. Mas agora,
finalmente, tomei a minha difícil decisão: tenho certeza absoluta de que
optaria pela vida na Terra, ainda que fosse por "um breve momento".
Por isso, pode se livrar de vez dessa preocupação, pode "descansar em
paz", como se diz. Obrigado por ter saído à caça da garota das laranjas.
[...]
Esses foram
trechos do livro "A Garota das Laranjas". Se gostou, leia-o inteiro.
Se não, vaza.
Estou aqui,
nesse exato momento, comendo mousse de maracujá e pensando na resposta que
daria.(O mousse está tão bom que mal consigo digitar.)
Bem, aí vai a
minha resposta:
Só tenho uma
coisa há lhe dizer, Jan Olav: sua pergunta marcante e profunda não faz o mínimo
sentido.
Você quis envolver tudo- o universo, a vida, a
capacidade de fazer escolhas- em uma única questão.
Mas não é tão simples assim; tem muito mais envolvido.
A vida está envolvida!
Se sua pergunta categórica fosse bem pensada,
saberia que, se um ser humano, uma alma vivente, pudesse escolher entre vir
para o mundo mesmo que fosse por um breve momento ou recusasse para não sentir
o peso de deixar o que mais ama aqui, para responder, logicamente, todos os que
leram sua carta e fizeram a pergunta a si mesmos, consultariam suas faculdades
mentais e suas memórias, suas experiências vividas.
Haveria tanto pessoas que aceitariam, quanto
pessoas que recusariam. Já que há o livre-arbítrio e todos podemos fazer
escolhas individuais.
Alguns teriam memórias doces e felizes e
optariam pela vida; outros, porém, deprimidos quem sabe, recusariam e
abraçariam a morte como despojo.
A pergunta não faz sentido, pois, quem quer
que fosse já estaria vivendo para responder. Já havendo vida, além de não haver
relevância na questão, não cogitariam começar do nada, sem sentimentos, sem
apagar todas as memórias e experiências. Todos nós sentimos; não somos vazios.
Estamos vivos!
Não há uma escolha a ser feita. Todos nós já
estamos aqui. Já estamos vivendo. Já optamos pela vida. A primeira opção já
está em percurso.
Queira ou não, você está vivo- ou estava, Jan
Olav. A escolha da vida já foi feita.
E fadas não existem.
Amei flor 😍 Fiquei super ansiosa pra ler 😍
ResponderExcluir:D Que bom, querida!! Obrigada!
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