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quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Garota das Laranjas


A Garota das Laranjas
Gaarder, Jostein

Comecei a ler este livro cinco anos atrás quando o peguei na biblioteca da escola. Nunca conseguia terminar. Devolvia, pois meu prazo se esgotava, e pegava novamente pra voltar a ler desde o começo. Passei esses cinco anos assim: Indo e vindo da biblioteca, pegando e devolvendo sempre o mesmo livro. Nunca concluído.
 No início deste ano decidi que iria terminar de ler "A garota das laranjas" de qualquer jeito! Peguei-o na biblioteca e comecei a ler a partir da página 96, pois esse era o número que tinha em mente, e eu acreditava ser a página em que havia parado. Porém, não deu certo. Quanto mais lia, mais vontade tinha de voltar algumas páginas para relembrar. Fui voltando automaticamente e lentamente na história. Mas o livro estava na parte triunfal, onde todos os enlaces iriam se resolver, todos os mistérios começariam a ser desvendados e todas as peças do quebra-cabeça estariam expostas, prontas para serem unidas. Não conseguia parar de ler. Fui para o meu quarto, ficar mais a vontade, enquanto deliciava as últimas páginas.
 A cada página que passava e mais próxima do final me levava, mais angustiada eu me sentia. Não queria que acabasse, mas sabia que estava perto do fim.
 Chorei muito no final. O livro realmente mexeu comigo. Perguntas filosóficas, frases marcantes e reveladoras me estimulavam a refletir cada vez mais. Fiquei um bom tempo deitada na cama pensando na vida após o término. A sensação foi incrível.
 Este livro tem uma narrativa expressiva e um final eletrizante. É o melhor que já li.
 Passei um dia inteiro consumindo o livro até conseguir terminá-lo- finalmente-, e não me arrependo. Iria dizer que me arrependo por não ter lido antes, mas quem garante que eu o entenderia no passado? Talvez não fosse madura o suficiente para enxergar a grandeza que há nessa história.
 A leitura deste livro foi indescritivelmente marcante. Nunca li nada igual. [...]
 Hoje, na escola, durante uma aula, a nova funcionária da biblioteca trouxe dois alunos do 2º ano para apresentarem seus livros preferidos- Maus, Art Spiegelman e A menina que roubava livros, Markus Zusak. Eles falaram um pouco de cada livro, e porque gostaram tanto- Nos incentivando a lê-los. Fiquei completamente absorta pelas palavras deles. Senti meu coração dar um pulo, e num impulso impensável, levantei a mão. A moça da biblioteca me deu atenção e eu, sem saber no que estava pensando, simplesmente disse: "Eu quero participar. Quero participar disto." Ela pareceu feliz com minha atitude e resolveu me ajudar.
 Mais tarde fui até a biblioteca me encontrar com ela. Disse que queria falar sobre o livro "A garota das laranjas", que foi marcante pra mim. Ela me entregou-o e disse para eu pesquisar as partes mais importantes e montar uma pequena apresentação para a semana seguinte. Pensei em falar de tudo o que havia acontecido, como finalmente terminei o livro. Estava planejando fazer essa resenha faz tempo, mas a preguiça não deixava. Agora tenho um grande motivo para isso.
 Espero ter inspiração para pegar os pontos altos do livro, e montar uma boa e breve apresentação e, principalmente, ter coragem de ir de sala em sala falando desse livro que tanto significou pra mim.
 Chega de falar da escola, vamos agora falar um pouco do livro:

 Uma carta que ficou guardada por muito tempo, revela ao adolescente Georg Roed uma história extraordinária. O autor da carta é o pai do menino, morto há onze anos. Ele escreveu esta longa mensagem de despedida para que o garoto lesse quando atingisse uma idade madura.
 A história que o pai conta é do tempo em que ainda era um jovem estudante medicina: a sua busca por uma moça desconhecida, que ele vê por acaso nas ruas de Oslo, sempre carregando um saco cheio de laranjas e que suscita um amor instantâneo e uma série de perguntas sem resposta na imaginação do jovem Jan Olav. Apaixonado, o rapaz persegue os diversos mistérios que cercam os seus encontros fugidios com a garota das laranjas, numa aventura que culmina numa grane revelação. Alternando entre a voz de Georg e a do pai, Jostein Gaarder constrói uma narrativa pontuada com perguntas filosóficas, que tratam de temas como o amor, a morte e a grandeza do universo. E também lhe faz uma pergunta muito importante, de cuja resposta podem depender os rumos que o menino tomará ao ingressar na vida adulta.

(Não acredito que terei que digitar tantas páginas do livro para responder á uma pergunta.)
Trechos das páginas 110-130.

 Eu disse: "Imagine que, há muitos bilhões de anos, no momento em que tudo foi criado, você estivesse no umbral desse conto de fadas. E tivesse a opção de nascer neste planeta se quisesse. Não saberia quando ia viver nem quanto tempo passaria aqui, mas, fosse como fosse, seria apenas questão de alguns anos. Só saberia que, se decidisse um dia nascer neste mundo, quando chegasse a hora ou, como se diz, quando o 'ciclo se completasse', teria de deixá-lo e a tudo quanto nele existe. Talvez isso o contrariasse bastante, pois muita gente acha a vida neste grande conto de fadas tão maravilhosa que chega a ficar com lágrimas nos olhos só de pensar que isso vai acabar. Tudo aqui pode ser tão bom que dói pensar que um dia não haverá outros dias".
 Você ficou caladíssimo no meu colo. E eu disse: "O que você escolheria, Georg, se um poder superior lhe desse a possibilidade de escolher? Você teria optado por uma vida nesta Terra, breve ou longa, dentro de cem mil ou cem milhões de anos?".
 Eu devo ter respirado fundo duas vezes antes de continuar falando, então prossegui com voz firme: "Ou teria se recusado a participar deste jogo por não aceitar as regras?".
 Você continuou em silêncio no meu colo. Eu queria muito saber no que estava pensando. Você era um milagre vivo. Achei que seu cabelo louro como o trigo cheirava a tangerina. Um anjo de carne e osso, cheio de vida.
 Você não tinha adormecido. Mas não disse nada.
 Estou certo de que ouviu minhas palavras, inclusive é possível que tenha prestado muita atenção. Mas eu não tinha a menor ideia do que se passava dentro de você. Nós estávamos tão perto um do outro. E, mesmo assim, de repente ficamos terrivelmente distantes.
 Eu o abracei com mais força, talvez você tenha pensado que era para aquecê-lo. Mas eu o traí, Georg, porque comecei a chorar. Isso eu não queria, e tratei de me recompor o mais depressa possível. Mas não consegui conter as lágrimas.

 Nas últimas semanas, eu me fiz essa pergunta várias vezes. Teria optado por uma vida na Terra se soubesse que um dia seria arrancado tão subitamente daqui, talvez no momento mais feliz da minha existência? Ou será que teria agradecido e rejeitado de pronto esse jogo absurdo do "dá e toma"? Porque a gente vem uma única vez a este mundo. É entregue a essa grande aventura. E então chega um ratinho e o conto de fadas acaba.
 Não, juro que não sei qual seria a minha escolha. Acredito que teria repelido essas condições. Talvez respondesse com um delicado "não" à oferta de participar dessa grande aventura se fosse apenas uma visita breve, e talvez o meu "não" nem fosse tão delicado assim. Pode ser que gritasse que não queria ouvir mais nenhuma palavra alguma sobre esse maldito dilema. Foi o que imaginei; no momento em que estava na varanda, com você no colo, tive certeza de recusaria totalmente a oferta.
 Se eu tivesse optado por não meter o nariz nesta grande aventura, nunca saberia o que estava perdendo. Você entende o que quero dizer? Para nós, seres humanos, ás vezes é muito pior perder uma coisa que amamos do que nunca ter tido essa coisa. Também é assim nos contos de fada. Você acha que a Gata Borralheira teria voltado ao palácio com o príncipe se lhe dissessem que só poderia passar uma semana lá? O que você acha que ela sentiria se tivesse de retornar à a sua vida de outrora, ao fogão e as cinzas, à madrasta malvada e às irmãs invejosas?
 Agora é a sua vez de responder, Georg, agora você tem a palavra. Pois foi quando nós dois estávamos contemplando o firmamento, na varanda, que eu tomei a decisão de lhe escrever essa longa carta. Aliás, foi justamente o momento em que chorei. E não chorei só por saber que talvez muito em breve me separarei de você e da garota das laranjas. Chorei porque você era tão pequeno. Chorei porque nós dois não podíamos conversar de verdade.
 Vou perguntar mais uma vez. Qual seria a sua decisão se você tivesse a possibilidade de escolher? Optaria por uma vida breve aqui na Terra, para depois de poucos anos separar-se de tudo e nunca mais voltar? Ou diria "não, obrigado"?
 Você só tem essas alternativas. É  a regra. Se optar pela vida, também está optando pela morte.
 Mas, olhe: prometa que vai refletir muito antes de responder.

 DAQUELA NOITE NA VARANDA EU ME LEMBRO! Ficou gravada na minha medula. Está tatuada no meu coração. E, enquanto lia o que o meu pai escreveu sobre ela, senti várias vezes um frio na espinha.
 Até agora estava praticamente esquecida, pelo menos nunca teria pensado naquela noite estrelada se não tivesse lido a carta, mas agora a lembrança ficou clara até demais. TALVEZ ESTA SEJA A ÚNICA RECORDAÇÃO GENUÍNA QUE GUARDO DO MEU PAI.
 Eu tinha acordado. Então papai veio da varanda, entrou e me ergueu no ar. Disse que nós íamos voar lá fora. Que íamos ver as estrelas. Voar no espaço. Por isso ele precisava me agasalhar bem, pois fazia muito frio no espaço sideral. O papai queria me mostrar as estrelas no céu. Tinha de fazê-lo. Era a nossa única chance e precisávamos aproveitá-la.
 E eu sabia que papai estava doente! Mas ele não sabia que eu sabia. Mamãe tinha me contado o segredo. Disse que talvez papai precisasse ficar no hospital, por isso estava triste. Creio que lembro que ela me disse isso naquela tarde. Acho que foi por esse motivo que acordei, acho que era por esse motivo que não conseguia dormir.
 Agora me lembro claramente de uma longa viagem espacial com meu pai, lá fora na varanda. Acredito que tinha compreendido que ele talvez nos deixasse. Mas antes queria me mostrar uma coisa.
 E então- agora, enquanto escrevo, sinto calafrios na espinha- quando a gente estava viajando no espaço sideral, papai começou a chorar de repente. Eu sabia por que ele estava chorando, mas ele não sabia que eu sabia. Por isso não pude dizer nada. Fui obrigado a ficar calado. O que ia acontecer era perigoso demais, não dava pra falar.
 Mas isso não é tudo: desde aquela noite, sei também que não se pode confiar nas estrelas do céu. Pelo menos, elas não nos salvam de nada. Um dia, teremos de abandonar também as estrelas do céu.

 Nos últimos dias, eu praticamente só pensei na pergunta difícil sobre a qual tenho de me manifestar. Li quatro vezes a carta e pensei: coitado do meu pai, coitado. Lamento muitíssimo ele já não estar aqui. Mas as coisas que escreveu não valem só para ele. Valem para todos os seres humanos em todo o mundo, para os que estiveram aqui antes de nós, para os que agora vivem e para todos os que virão depois.
 "A gente tem uma única vez no mundo", escreveu meu pai. Ele escreveu muitas vezes que nós não passamos senão um breve momento aqui. Não sei ao certo se vivencio isso exatamente como meu ele. Estou aqui há quinze anos aqui, e esses  anos não me parecem um "breve momento".
 Mas acho que sei o que meu pai quis dizer. Que a vida é curta para todos os que conseguem entender que, um dia, o mundo chegará definitivamente ao fim. Mas nem todos entendem o que significa, de fato, um dia partir para sempre, para toda a eternidade. Existe tanta coisa que dificulta essa percepção, hora a hora, minuto a minuto.
 "Imagine que, há muitos bilhões de anos, no momento em que tudo foi criado, você estivesse no umbral desse conto de fadas", escreveu meu pai. "E tivesse a opção de nascer neste planeta se quisesse. Não saberia quando ia viver nem quanto tempo passaria aqui, mas, fosse como fosse, seria apenas questão de alguns anos. Só saberia que, se decidisse um dia nascer neste mundo, quando chegasse a hora ou, como se diz, quando o 'ciclo se completasse', teria de deixá-lo e a tudo quanto nele existe. "
 Ainda não consegui decidir. Mas, com o decorrer do tempo, concordo cada vez mais com o meu pai. É bem possível que eu também recusasse educadamente essa oferta. O brevíssimo momento que me é dado viver neste mundo é minúsculo em comparação com a eternidade em termos de tempo anterior e posterior.
 Mesmo sabendo que uma coisa era uma delícia maravilhosa, eu me recusaria delicadamente a degustá-la se o pouquinho que me deixassem provar não pesasse mais do que um miligrama.
 O mundo! Neste caso eu nunca o alcançaria. Jamais viveria o grande segredo.
 O espaço! Nunca ergueria a vista para contemplar o esplendor de um céu estrelado!
 O Sol! Nunca poria os pés na ilhota quente de Tonsberg. Nunca saltaria na água de cabeça!

 Agora entendo tudo isso. De súbito, compreendo todo o alcance. Só agora percebo de corpo e alma o que significa não ser. Sinto um aperto no estômago. Passo mal. Mas também fico revoltado.
 Fico furioso quando penso em desaparecer um dia- e então vou partir não por uma ou duas semanas, não por quatro nem por quatrocentos anos, mas por todo o sempre.
 Tenho a sensação de que me pregaram uma peça, pois o primeiro alguém chega e diz: tome, o mundo é todo seu, pode brincar aqui à vontade. Este é o seu chocalho, o seu trenzinho, esta é a escola que você vai começar a frequentar no outono. Para depois gritarem: primeira de abril, primeiro de abril, você caiu feito um patinho! E então voltarem a me arrancar o mundo das mãos.
 Sinto que todos me abandonaram, deixaram-me a ver navios. Não tenho onde me segurar. Nada pode me salvar.
 E não é só o mundo que eu perco, não é só tudo e todos que amo. Eu me perco a mim mesmo.
 Zás- e eis que eu sumi.

Estou furioso. Tão furioso que sou capaz de vomitar de uma hora para outra. Evito o mal antes que ele me domine. Opto pela vida. Opto pela pontinha de bem que me foi concedida.
 Sei que o mal existe, pois ouvi o terceiro movimento da Sonata ao luar de Beethoven. Mas também sei que existe o bem. Sei  que entre dois abismos desabrocha uma bonita flor e que, em breve, um alegre abelhão sairá voando dessa flor.
 Ah! Agora eu vi. Felizmente nessa equação também há um lépido alegreto. Entre as duas tragédias vem o divertido teatro de fantoches, e esse espetáculo, eu não quero perder. Estou disposto a apostar tudo no segundo momento! Existe uma coisa chamada "fome de viver", e, apesar dos pesares, eu não preciso viver esses dois abismos. A única coisa que existe é um audacioso alegreto.
 Acho que agora estou pensando coisas muito inteligentes, tenho de admitir. Franz Liszt descreveu o segundo movimento da Sonata ao luar como "uma flor entre dois abismos". Neste momento me ocorre que a resposta ao grande dilema desabrochou em mim como uma flor.
 E então procuro mais uma vez recuar alguns bilhões de anos no tempo. Porque agora tenho de decidir se quero viver algumas centenas de milhões de anos na Terra ou se prefiro abrir mão disso por não concordar com as regras. No entanto, agora eu sei onde estarão os meus pais. Agora sei como essa história começou. Sei como vai ser quando eu amar.
 Pois vamos à resposta. Vamos à decisão solene. Eu escrevo:
 Querido, papai! Obrigado pela sua carta. Foi um choque para mim, e me deu muita alegria e também muita tristeza. Mas agora, finalmente, tomei a minha difícil decisão: tenho certeza absoluta de que optaria pela vida na Terra, ainda que fosse por "um breve momento". Por isso, pode se livrar de vez dessa preocupação, pode "descansar em paz", como se diz. Obrigado por ter saído à caça da garota das laranjas.
[...]

Esses foram trechos do livro "A Garota das Laranjas". Se gostou, leia-o inteiro. Se não, vaza.
Estou aqui, nesse exato momento, comendo mousse de maracujá e pensando na resposta que daria.(O mousse está tão bom que mal consigo digitar.)
Bem, aí vai a minha resposta:

Só tenho uma coisa há lhe dizer, Jan Olav: sua pergunta marcante e profunda não faz o mínimo sentido.
 Você quis envolver tudo- o universo, a vida, a capacidade de fazer escolhas- em uma única questão.
 Mas não é tão simples assim; tem muito mais envolvido. A vida está envolvida!
 Se sua pergunta categórica fosse bem pensada, saberia que, se um ser humano, uma alma vivente, pudesse escolher entre vir para o mundo mesmo que fosse por um breve momento ou recusasse para não sentir o peso de deixar o que mais ama aqui, para responder, logicamente, todos os que leram sua carta e fizeram a pergunta a si mesmos, consultariam suas faculdades mentais e suas memórias, suas experiências vividas.
 Haveria tanto pessoas que aceitariam, quanto pessoas que recusariam. Já que há o livre-arbítrio e todos podemos fazer escolhas individuais.
 Alguns teriam memórias doces e felizes e optariam pela vida; outros, porém, deprimidos quem sabe, recusariam e abraçariam a morte como despojo.
 A pergunta não faz sentido, pois, quem quer que fosse já estaria vivendo para responder. Já havendo vida, além de não haver relevância na questão, não cogitariam começar do nada, sem sentimentos, sem apagar todas as memórias e experiências. Todos nós sentimos; não somos vazios. Estamos vivos!
 Não há uma escolha a ser feita. Todos nós já estamos aqui. Já estamos vivendo. Já optamos pela vida. A primeira opção já está em percurso.
 Queira ou não, você está vivo- ou estava, Jan Olav. A escolha da vida já foi feita.
 E fadas não existem.

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