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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Náufrago


 Eu não tive uma semana fácil. Primeiro houve uma tempestade e não consegui definir o que eu sentia. Depois houve uma nuvem que embaçou minhas lembranças. Tudo o que eu tenho daqueles dias infelizes são as marcas. Elas estão em mim até hoje.
 Tenho que me lembrar a todo momento que estou tentando curar feridas e não abrir novas.
 Na segunda, eu extrai dois dentes do siso. Da terça em diante foi ladeira abaixo. Eu tive dor, febre, inflamação, fraqueza de tanto tomar apenas sopa por causa da cirurgia, e até vomitei na casa da minha amiga.
 Domingo eu decidi voltar a comer alimento sólido. Foi então que tive outro daqueles momentos. Aqueles "cliques”, quando você está se deixando levar pela maré e subitamente é despertado. A última vez que tive essa sensação, foi quando dormi na casa de uma pessoa muito, muito suja. Eu me senti mal em meio à bagunça e falta de higiene. Fiquei pensando em como eu sobreviveria se ficasse perdida em uma floresta, já que estava difícil suportar ao caos daquela casa. Bom, depois de apenas três dias na sujeira, voltei para meu lar e me entreguei ao choro. Tomei um banho, comi um prato de comida e agradeci a Deus por tudo o que eu tinha! Uma cama limpa, uma casa organizada, onde dava pra ver o chão que eu pisava, comida limpa e fresca. Parece pouco, parece simples, mas eu só fui dar valor a essas coisas quando me abstive delas e depois retornei. Eu agradeci! Agradeci pela vida que tenho, pela mãe atenciosa e boa ouvinte, a casa, o sustento, tudo. E neste domingo, quando voltei a comer alimento sólido após uma semana apenas ingerindo líquido, eu tive a mesma sensação de gratidão. Uma ação tão simples: levantar o garfo. Agradeci a Deus por ter forças para trazer a comida até a boca, agradeci por ter uma boca, agradeci pelos dentes que me permitem mastigar. Assim eu posso sobreviver.
 Semana passada eu recebi muitos abraços fortes. Não seria exagero dizer que nasci de novo. Percebi que nossas atitudes não afetam apenas a gente, mas respigam naqueles que estão mais próximos e que mais nos amam.
 Hoje, quando ouço o som da sirene de uma ambulância, fico feliz por não estar dentro dela.
Eu ainda não voltei a desenhar- algo que amo muito-, mas já voltei a dançar e a cantar. Meus dias estão mais leves, porque sei que o sol sempre vai nascer de novo amanhã. Eu terei outra chance. Tenho apenas que aproveitá-la.
 Não acredito em “destino”, acredito em propósitos. Nós estabelecemos alvos e temos que nos esforçar em alcançá-los. No meio de tudo isso está o imprevisto. E o imprevisto me trouxe pessoas, o imprevisto me trouxe paixões, o imprevisto me deu uma família; note que são coisas que não pude escolher, pois foram dadas a mim. Mas há algo que posso controlar. Selecionar quem serão meus amigos, estar determinada a não alimentar paixões bobas e passageiras, e suportar aqueles que convivem comigo (Há coisas em que não se pode fugir).
 Acabei de assistir ao filme Náufrago. Todos os filmes do Tom Hanks são ótimos! Eu já amava este e me lembro de ter assistido na infância. Meu corpo é o mesmo, o filme é o mesmo, mas desta vez eu tive a capacidade de entender e apreciar com outros olhos. Agora eu tenho 18 anos e o filme não é mais apenas a história de um homem que ficou preso sozinho numa ilha. É uma lição significativa de gratidão; apreciar o que realmente vale a pena; suportar as dificuldades e aprender a lidar e resolver conflitos; valorizar pequenas coisas; alegrar-se com: a vida, a capacidade de fazer escolhas, realizações pessoais (pequenas ou grandes), a companhia de outras vidas e a liberdade!
 Em uma cena, o personagem diz: “Então, eu peguei uma corda e fui até o topo do penhasco para me enforcar. Mas antes eu tinha que testar, você me conhece. E o peso do tronco quebrou o galho da árvore. Então eu percebi que não podia nem me matar da maneira que eu queria. Eu não tinha poder sobre nada. (...)
Foi quando esse sentimento veio sobre mim, como um lençol me aquecendo.
Eu soube que, de alguma maneira, eu tinha que ficar vivo. De alguma maneira, eu tinha que continuar respirando.
Mesmo sem haver nenhuma razão para se ter esperança.
E toda minha lógica disse que eu jamais veria minha casa de novo.
Então foi o que eu fiz... eu continuei vivo. Eu continuei respirando.
Minha lógica se mostrou errada, porque a maré veio e me trouxe uma jangada.
E agora aqui estou, de volta em Memphis, conversando com você. Eu tenho gelo no meu copo! Mas minha esposa não me ama mais(...)
E eu sei o que devo fazer agora... Eu devo continuar respirando.
Porque amanhã o sol irá nascer. Quem sabe o que a maré poderá trazer?”
 Realmente, devo me alegrar e agradecer. Os problemas são os mesmos, mas vejo-os com outra perspectiva.
 Enquanto aguardo pacientemente a maré do imprevisto me trazer algo bom, irei usufruir a companhia daqueles que me amam, irei valorizar os pequenos e sutis prazeres da vida, irei continuar respirando.

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