Esqueci o que ia digitar.
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O post será exatamente sobre isso:
Lembranças quase apagadas e ressuscitadas com um clique. Um dia desses eu estava conversando com minha mãe sobre cacos de vidro, pois ela havia derrubado um copo que em um momento tinha forma definida e em outro se espalhara em um bilhão de pedacinhos. Disse que, quando criança, eu tinha trauma de cacos de vidro pois
toda semana alguém derrubava algo, um prato ou copo, e algum caquinho
tinha que se enfiar em meus dedos. Lembro-me que meus pais me colocavam sentada na mesa da copa, a luz amarelada meio fraca, e caçavam os minúsculos caquinhos com uma pinça. Aquilo era tortura. Quase nunca encontravam e eu dormia com aquela dor latejante. Incrível como uma pequena, insignificante e leve partícula pode causar uma dor tremenda.
Recordo-me também de quando um raio de sol entrava sorrateiro em meu quarto. A suave luz passava pela fresta da porta entreaberta- meus pais sempre a deixavam entreaberta- e divinamente ia de encontro com meu rosto, avisando-me que era fim de semana e que não teria aula. Minha cama parecia estar estrategicamente posicionada no local aonde o raio repousava. Sinto falta daquilo.
Havia um balanço colorido na varanda. Eu pegava tanto impulso e me balançava tão alto que quase tocava o telhado. Ou enrolava ao máximo a corda e rodava até ficar tonta. Um dia eu estava em pé me balançando e caí de joelhos no cimento. Ralados, esfolados, sangrando. Algumas semanas depois, quando sararam, marcas de pontinhos ficaram. Eu pensava que era o pó do cimento que havia entrado na pele e que permaneceria para sempre. Hoje sei que o nome disso é: CICATRIZ. Tenho sardinhas nos joelhos.
Não há nada mais divertido do que se arriscar subindo no telhado de casa. Meu pai, irmão e eu fizemos isso algumas noites. Não me lembro se para ver os fogos ou estrelas. Lembro-me que a visão superior e ampla dos telhados dos vizinhos e a sensação de que poderia escorregar a qualquer momento era muito boa. Meu pai, muito cauteloso, ia tateando por onde pisávamos- eu ficava imaginando se as telhas se romperiam ou não-, daí nos sentávamos e contemplávamos.
Passávamos algumas noites brincando de fazer sombra de bichinhos com uma lanterna. Eu consegui fazer um gato perfeito, mas nunca mais me lembrei qual era a posição.
Lembro-me de poder ver o céu, com suas belas nuvens ou com suas majestosas estrelas. Na casa em que mudei há alguns anos, mal dá para ver o céu. Estamos confinados e estressados entre muros e mais muros. Vivemos em caixas- se é que vivemos. Se eu fosse digna da confiança de meus leitores, diria que não há nada que eu sinta mais falta do que o céu. A minha hora preferida do dia é no fim da tarde, quando o sol se põe, pois tudo fica alaranjado e nostálgico.
"Eu definitivamente deveria sair mais no fim de tarde, relembrar os velhos tempos. Talvez haja mais memórias enfraquecidas em mim. Talvez eu precise de apenas mil ou dois mil pôr- de-sois para reanimá-las.
Fim de tarde. Magia no céu. Aquarela misturada. Nuvens brincam de se fantasiar de rosa, laranja e lilás. Fim de tarde, melhor hora que há.
Sinto falta da brisa, sinto falta do céu, sinto falta de um quintal grande pra brincar, de uma bicicleta pra andar, de uma expansão azul para observar, do anoitecer, da luz amarelada de uma varanda velha pra passar o tempo jogando conversa fora. Realmente sinto falta da brisa. Sinto falta do vento e de qualquer coisa que me bata e que me toque para me fazer sentir novamente viva.
Sinto falta de me sentir viva."
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Não falta chão, falta céu.
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