Já assistiram ao filme "Como Se Fosse A Primeira Vez"? Este é o meu
filme favorito e perdi as contas de quantas vezes o assisti.
Em janeiro de 2015, fiz estágio no Laboratório
de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental (LNNE) do Curso de Verão
Fisiologia FMRP/USP. Nós estudamos a interação entre epilepsia e depressão e
quais áreas do cérebro são afetadas.
Em meio a tantas experiências, como cortar e
preservar cérebros de ratos para coleta de dados, eu descobri que a história do
filme “Como Se Fosse A Primeira Vez” tem
um fundo de verdade.
Em uma aula, o pós-graduando Victor Rodrigues
Santos, meu colega de laboratório, deu uma aula sobre epilepsia e contou uma
história real de um homem chamado Henry Molaison. A vida deste rapaz é a prova do que o que aconteceu com Lucy no filme. Fiquei completamente absorta na
aula.
Quando Henry Molaison (hoje amplamente
conhecido como HM) rachou o crânio em um acidente, ele começou a desmaiar e ter
convulsões. Em uma tentativa de curá-lo, cirurgião temerário Dr. William
Skoville removido hipocampo do HM. Felizmente, isso fez cessar as crises
convulsivas - mas também sua memória de longo prazo! Sam Kean, através deste
caso médico surpreendente, detalhando tudo HM nos ensinou sobre o cérebro e a
memória.
Em 1 de setembro de 1953, William Scoville
usou uma maquina com uma serrinha barata para cortar o crânio de um jovem e
remover partes vitais do seu cérebro, sugando-as por um tubo de metal. Não era
uma cena de um filme de terror ou de uma repugnante noticia policial. Dr.
Scoville foi um dos mais renomados neurocirurgiões de seu tempo, e o jovem
Henry Molaison, o famoso paciente conhecido como “H.M.”, cujo caso trouxe
percepções surpreendentes quanto ao funcionamento do cebrebro.
Quando garoto, Henry havia fraturado o crânio
em um acidente e logo começou a ter ataques, desmaios e perda de controle de
funções corporais. Depois de anos de episódios frequentes e de abandonar o
colégio, o jovem desesperado procurou o Dr. Scoville, um médico destemido
notabilizado pelas cirurgias arriscadas.
A lobotomia parcial foi usada por décadas pra
tratar pacientes com problemas mentais crendo que as funções mentais tinham uma
localização exata em determinadas áreas do cérebro. Tendo tido sucesso com esse
procedimento em reduzir ataques psicóticos, Scoville decidiu remover o
hipocampo de H.M., uma parte do sistema límbico que era associada à emoção, mas
cuja função era desconhecida.
A operação parecia ter sido bem sucedida. Os
ataques de H.M. praticamente desapareceram sem nenhuma mudança de personalidade
e houve ate o aumento dO seu QI. Mas havia um problema: sua memoria estava
comprometida. Além de perder a maior parte de suas lembranças da década
anterior, H.M. era incapaz de formar novas, esquecendo em que dia estava,
repetindo comentários, e até fazendo varias refeições seguidas.
Quando Scoville informou os resultados a outro
especialista, Wilder Penfield, este enviou uma estudante de pós-graduação,
Brenda Milner, para pesquisar H.M. na casa de seus pais, onde ele passava seus
dias dedicado a tarefas estranhas, e assistindo filmes clássicos, muitas vezes
seguidas, como se fosse a primeira vez.
O que ela descobriu por meio de uma série de testes e entrevistas, trouxe uma
grande contribuição não só para estudar a memoria; mais do que isso: redefiniu
o que é memória.
Uma das descobertas de Milner pôs em evidencia
o fato óbvio de que embora H.M. não pudesse formar novas memorias, ele ainda
retinha informações suficientemente longas, de momento a momento, para concluir
uma sentença ou achar o banheiro. Quando Milner lhe dava um número ao acaso,
ele conseguia lembrá-lo por 15 minutos, repetindo-o constantemente para si
mesmo. Mas apenas alguns minutos depois, ele esquecia o teste que tinha sido
feito. Os neurocientistas acreditavam que a memória fosse monolítica, quer
fosse uma coisa igual e armazenada por todo o cérebro. Os resultados obtidos
por Milner foram o primeiro indicio da diferença entre as memorias de curto a
longo prazo; mostraram também que cada uma delas usa regiões diferentes do
cérebro.
Hoje sabemos que a formação de memória envolve
várias etapas. Após os dados sensoriais imediatos terem sido temporariamente
transcritos pelos neurônios no córtice, eles vão para o hipocampo, onde
proteínas especiais fortalecem as conexões sinápticas corticais. Se a
experiência tiver sio muito intensa, ou se nós a recordamos periodicamente nos
primeiros dias, o hipocampo, então, a transferirá de volta ao córtice para guardá-la
permanentemente. A mente de H.M. podia criar as impressões iniciais, mas sem um
hipocampo para realizar a consolidação de memória, elas eram apagadas, como
mensagens rabiscadas na areia.
Mas essa não foi a única diferença que Milner
descobriu. Num experimento que ficou famoso, ela pediu a H.M. pra desenhar uma
terceira estrela no estreito espaço entre os contornos de duas outras
concêntricas e só poderia ver seu papel e lápis através de um espelho. Como
qualquer um, ele realizou essa tarefa de forma desajeitada pela primeira vez.
Seu desempenho foi horrível. Surpreendentemente ele melhorou ao longo de
tentativas repetidas, embora não se lembrasse das tentativas anteriores. Seus
centros motores inconscientes lembravam do que a mente consciente havia
esquecido. O que Milner descobriu é que a memória explícita de nomes, datas e
fatos e diferente da memória procedimental, de andar de bicicleta ou assinar
seu nome. Sabemos agora que a memória procedimental reside mais nos núcleos da
base e cerebelo, estruturas que estavam intactas do cérebro de H.M. A distinção
entre “saber que” e “saber como” fundamentou, desde então, todas as pesquisas
sobre memória.
H.M. morreu com 82 anos depois de uma vida
tranquila em uma casa de repouso. Ao longo dos anos, ele foi examinado por mais
100 neurocientistas, o que fez de seu cérebro o mais estudado de toda a
história. Depois de sua morte, seu cérebro foi preservado e escaneado, antes de
ser cortado em mais de 2.000 fatias e fotografado para compor um mapa digital
que desce ao nível de neurônios individuais, tudo em uma apresentação ao vivo,
vista por mais de 400.000 pessoas.
Apesar de H.M. ter passado sua vida esquecendo
as coisas, ele e suas contribuições para o nosso entendimento da memória serão
lembrados por gerações futuras.
Pode ser difícil reconhecer as causas
e os efeitos da amnésia. Para uma pessoa, ela pode apagar alguns minutos de
memória. Para outra, como Clive Wearing, uma vida inteira pode desaparecer.
Dessa forma, além de definir a amnésia pela causa - lesão cerebral ou trauma
psicológico - os médicos caracterizam a amnésia pelo tipo das memórias perdidas.
A amnésia retrógrada é a incapacidade
de se lembrar do passado. A amnésia anterógrada é a perda da habilidade de
criar novas memórias e absorver novas informações.
A amnésia anterógrada, a mais comum
das duas, está associada à lesão no hipocampo. Com ela, não é possível
transformar novas informações sensitivas em memórias de longo prazo. Por
exemplo, a perda de consciência induzida pelo álcool é um tipo de amnésia
anterógrada neurológica. O excesso de álcool impede que as vias neurais no
cérebro formem novas memórias enquanto estão intoxicadas. As pessoas que sofrem
de perda de consciência podem falar e interagir normalmente, mas na manhã
seguinte não se lembrarão de nada.
A amnésia retrógrada ataca primeiro
as memórias mais recentes. Quanto mais grave o caso, maior a extensão da perda
de memória. Esse padrão de destruição das memórias mais novas antes das antigas
é chamado de lei de Ribot. Isso acontece porque as vias neurais das memórias
mais novas não são tão fortes quanto as mais antigas, fortalecidas por anos de
recuperação. A amnésia retrógrada geralmente segue uma lesão nas áreas do
cérebro além do hipocampo, pois as memórias de longo prazo são armazenadas nas
sinapses de diferentes regiões cerebrais. Por exemplo, a lesão na área de
Broca, que armazena as informações da linguagem, provavelmente causaria perda
de memória relacionada à linguagem.
Com as amnésias retrógrada e
anterógrada, é importante entender que a memória das pessoas que normalmente é
perdida é a memória explícita, ou episódica. Os pacientes com amnésia mantêm
sua personalidade e identidade, além de sua memória implícita, ou processual.
Isso porque sua coordenação motora e suas memórias físicas instintivas - como
andar de bicicleta - são armazenadas separadamente de suas memórias episódicas.
O hipocampo processa inicialmente os dois tipos, mas as memórias episódicas
seguem para o córtex, enquanto as memórias processuais vão para o cerebelo. É
por esse motivo que Clive Wearing ainda consegue tocar piano (memória
implícita), mas provavelmente não pode descrever que peça de música tocou
(memória explícita).
Cristen Conger
Há duas maneiras pelas quais o
cérebro adquire e armazena informações: a memória de procedimento e a memória
declarativa. Essas duas formas divergem tanto no que diz respeito aos
mecanismos cerebrais envolvidos, como nas estruturas anatômicas.
A memória de procedimento (também
chamada implícita) armazena dados relacionados à aquisição de habilidades
mediante a repetição de uma atividade que segue sempre o mesmo padrão. Nela se
incluem todas as habilidades motoras, sensitivas e intelectuais, bem como toda
forma de condicionamento. A capacidade assim adquirida não depende da
consciência. Somos capazes de executar tarefas, por vezes complexas, com nosso
pensamento voltado para algo completamente diferente.
Drauzio Varella
Sempre que passava o filme “Como Se Fosse A
Primeira Vez” na televisão, eu assistia. Até que um dia eu o comprei para
saciar o meu vício. O interessante é que eu nunca me enjoei dele. A história é extremamente
romântica e dramática. Quem não gostaria de ter alguém disposto a te conquistar
todos os dias? A te fazer se apaixonar todos os dias? Só de pensar, faz meu
coração palpitar.
Fiquei fascinada pela história de Henry
Molaison. Imagine como seria se todas as suas memórias fossem apagadas toda
noite enquanto você dorme? Eu me sentiria devastada, presa em um labirinto sem
saída. Eu nunca mais poderia ler um livro, aprender novas histórias, adquirir
novos conhecimentos, pois eles se desintegrariam. Jamais poderia fazer
faculdade, assistir a novos filmes, pois não me lembraria de nada. E pior de
tudo, deletaria todos os momentos doces que poderia passar com minha família e
pessoas que amo. Essa ideia é sufocante demais.
Sinto um arrepio na espinha só de pensar que
um filme que foi tão marcante pra mim desde a infância, passou a ter um
significado ainda mais especial. Quão grande foi a coincidência que me
apresentou o relato de vida que foi a essência desse filme.
Palloma Beatriz Fialho Damas